Há uns tempos
atrás, depois de mais de 30 anos de engenharia, de participar de incontáveis
comissionamentos e pré-operações, pela primeira vez tive que ficar hospedado em
um alojamento, que pertence a uma empresa, cujo nome até faz não muitos anos
era um pouco extenso e acompanhado de “água com açúcar”, mas que depois decidiu
simplificar e ficou só numa palavra, o que lhe daria maior facilidade de
pronuncia nas diferentes línguas que a receberiam.
A estratégia
de MKT deu certa e o nome, bastante conhecido internacionalmente, torna-se
fácil de decorar e repetir por todos.
Hoje, essas quatro letras estão salvando o Brasil, que está submerso em uma crise económica, política, social, institucional, ... moral, sem precedentes, como nunca antes na história deste país.
Hoje, essas quatro letras estão salvando o Brasil, que está submerso em uma crise económica, política, social, institucional, ... moral, sem precedentes, como nunca antes na história deste país.
Confesso não ter visitado antes um alojamento de obras. Por sorte, sempre fiquei em hotéis,
apart-hotéis ou apartamentos alugados. A vida dá muitas voltas. Eis eu aqui na Terra Prometida.
Ao chegar ao lugar, me senti chocado, mas o aceitei em silêncio. Vim com uma carga de indisposição e predisposição impressionantes. Só consegui sentir semelhanças com campos de concentração que teria visitado mundo fora, mas nas condições económicas do momento, somente me restava agradecer à aquela empresa de quatro letras, por ter gerado empregos, subcontratar a empresa onde trabalho e permitir pagar minhas contas e dar uma condição de vida melhor para minha família.
Ao chegar ao lugar, me senti chocado, mas o aceitei em silêncio. Vim com uma carga de indisposição e predisposição impressionantes. Só consegui sentir semelhanças com campos de concentração que teria visitado mundo fora, mas nas condições económicas do momento, somente me restava agradecer à aquela empresa de quatro letras, por ter gerado empregos, subcontratar a empresa onde trabalho e permitir pagar minhas contas e dar uma condição de vida melhor para minha família.
Com o
decorrer dos dias comecei a ver as vantagens de estar naquele lugar e reparei
que não era nada de ruim. Tinha mais aspectos positivos do que negativos. Muita
área verde, campos para a prática de atividades esportivas, salas de jogos,
academia bem equipada. As construções eram rústicas, mas a empresa nossa,
visando dar o melhor conforto, mobiliou os quartos que eram individuais e com
banheiro, de uma maneira que não havia motivo algum para reclamar.
O ambiente que
se respirava em aquele lugar era bem sadio. A maioria das pessoas se
cumprimentava ou fazia por responder a um "bom dia" ou 'boa noite", ainda que de
forma tímida ou peculiar.
Era fácil
fazer amizades e com pessoas de extrações sociais bem diferentes, indivíduos
com os quais a gente não se relaciona com frequência e começar a descobrir
novos mundos e novas realidades, interessantes, necessárias.
Pelo fato de
não ser permitida a ingestão de bebidas alcoólicas, nem a entrada de pessoal
alheio, problemas de brigas, relacionamentos difíceis, etc., não eram comuns,
nunca presenciei ou tive conhecimento de algum, pese a que o 95% ou mais das várias
centenas de pessoas que habitávamos o lugar, éramos homens.
Quando fiz o
check-out senti um pouco de nostalgia. Reconheço que lá eu fui feliz.
Agora teria
que morar num hotel na cidade, com incomparavelmente melhores condições, mas
estaria exposto a outras situações que no alojamento, ao que carinhosamente apelidamos
de “Muquifo” pela primeira impressão que passou, tinha esquecido, tais como
violência, discriminações, problemas com a segurança, etc.
A quantidade
de gastos pessoais aumentaria. No “Muco” a alimentação, lavanderia, academia,
água para beber, etc., estavam incluídos. Agora isso todo ficaria pela minha
conta.
Falei sobre a
facilidade de fazer amizades naquele lugar, mas curiosamente, só um senhor
gordinho, baixinho e de cara fechada, costumava me encarar e nunca respondia
quando o cumprimentava. Me observava de longe.
Não atinava a
entender qual era o problema dele, mas também não dava importância. Era um, dentre tantos, que se tornava insignificante, mas não deixava de ser estranho o comportamento dele.
A nossa
empresa instalou em todos os quartos dos funcionários um sistema de televisão
por satélite, para o lazer de cada um dos colaboradores. Quando o representante
do provedor chegou, disse que não precisava instalar uma nova antena porque
havia outras próximas ao meu quarto e as mesmas tinham sido instaladas pela companhia
onde ele trabalhava.
Não concordei
com essa posição e repassei este parecer para minha empresa, mas não tomou nenhuma
providencia pese a estar pagando por uma antena também, segundo rezava no contrato.
O sujeito foi
lá, de uma antena que já existia, puxou um cabo até o meu quarto, furou a
parede e horas depois o mundo se abriu para mim na tela da TV.
Até ai, tudo
bem.
Os dias
continuavam passando e toda vez que coincidia ou topava com aquele individuo
gordinho, baixinho, de cara fechada, de abdômen pronunciado e de pele no rosto
pouco lisa, era recebido com um olhar atravessado.
Um bom dia, o
sinal de TV deixou de chegar até o meu receptor e pedi ajuda a um dos bons amigos
que fiz por lá, que se entendia com esses assuntos de antenas e descobriu que
alguém tinha soltado o meu cabo.
Lá foi o meu
amigo, ao qual uma vez apresentei o meu projeto de auto-canonização sem pararmos
de rir, reestabeleceu a conexão e a felicidade voltou.
E o senhor
continuava a me olhar com cara feia.
Até que um
bom ou mal dia, alguém bateu na minha porta tirando satisfação por eu estar
usando de maneira indevida ou roubando o sinal de TV dele.
Adivinhem
quem era o agraciado?
Acertaram,
era ele, o senhor gordinho, baixinho, de cara fechada, de abdômen pronunciado e
de pele no rosto pouco lisa.
Ai eu
expliquei o que vocês já conhecem sobre que os dois éramos vítimas de uma empresa
pouco séria e que fez a instalação paga, como se fosse um clássico “gato”.
Ele não soube
como me pedir desculpas. Ficou visivelmente constrangido.
A falta de comunicação,
a ausência de diálogo teria provocado situações bem desconfortáveis.
Os dias
passaram e continuei assistindo televisão sem problemas.
Agora entendi porque me olhava daquele jeito. Talvez pensava que eu seria um neguinho safado e ladrão.
O dia que
apareci no alojamento para fechar o meu contrato e cancelar o crachá, o senhor
se aproximou de mim e me disse: há dias estou-te procurando, peço para me dizer
quando for sair do alojamento, para não cancelar o meu contrato de TV por
satélite antes e não te prejudicar.
Agora a gente
se cumprimenta e sorri.