sexta-feira, 17 de março de 2017

MILAGRE!


Eu sempre brinco com os meus filhos, dizendo que quando eu morrer, eu gostaria que eles entrassem com um processo de canonização, me intitulando Santo Lino, o Santo protetor dos Pecadores.

Eu mesmo nem sei da onde surgiu essa ideia maluca, essa intenção brincalhona, essa pretensão tão absurda, mas analisando até no meu próprio subconsciente, isso eu o faço para que quando chegar o momento da minha despedida deste mundo, o possam associar com um fato jocoso e ajuda-los a deixar um pouco menos pesada, a tristeza do momento.

Todo processo de canonização, precisa de uma boa argumentação, de evidências de curas, da associação com fatos, que se não fosse pela ocasião, seriam considerados inverossímeis, etc., ainda que de por vida os incrédulos nunca acreditem em tais milagres.

No meu processo estaria faltando este quesito.

Remexendo na memória, lembrei-me de um fato.

E não é gente que eu fiz um milagre?

Vou contar e quero que prestem atenção.

Na década dos anos 1990, eu já estava casado e morava no Brasil, só que ainda não tínhamos filhos. Certo fim de semana, fomos convidados por uns bons entranháveis amigos de Itabirito para visitar, conhecer e pernoitar na cidade de Mariana, uma cidade histórica mineira de importância para o Estado e para o todo o país, sendo a Primeira vila, cidade, primeira capital, sede do primeiro bispado e primeira cidade a ser projetada em Minas Gerais.

Com todos estes atributos, esperávamos que a visita prometesse e reservasse lindas surpresas.

E foi assim, sim. Fizemos um interessante roteiro e todos ficamos satisfeitos com a visita.

A cidade também se caracteriza, ao igual que muitas outras cidades do estado, pela topografia montanhosa, a culinária deliciosa e uma carga expressiva de religiosidade, que vem desde as antológicas igrejas até os costumes atuais dos seus moradores, que preservam ou lutam por não deixarem morrer, tradições interessantes e valiosas.

Na hora de descansarmos, fomos convidados a ficar na casa de um casal que conhecemos lá e que são amigos do pessoal que nos convidou ao passeio. Com eles, durante o dia, também compartilhamos e desfrutamos daquilo com que a cidade presenteia os visitantes e aos seus próprios filhos.

O casal tinha uma filha pequena, de aproximadamente 03 ou 04 anos: a Leti como a chamarei carinhosamente, de agora em diante. Na verdade era um amor de pessoinha, uma doçura de anjo, muito ávida, porém tinha um pequeno distúrbio para o qual já tinha sido tratada, mas os médicos diziam que subitamente o problema desapareceria.

O transtorno de natureza psíquica consistia em que a princesinha não dormia, não conseguia conciliar o sono e passava toda a madrugada tranquila, acordada, brincando, fazendo alguma coisa. 

A casa estava estruturada para oferecer o conforto necessário, para lidarem com esta anomalia e evitar que a menina se acidentasse no seu périplo costumeiro. Ela ficava na dela e ninguém se incomodava e ninguém a incomodava.

Naquela noite, como em tantas outras noites naquele lugar, fez muito frio e ainda que a casa estivesse preparada para tais condições, o aspirante a santo aqui, estranhou.

Santos também temos problemas e em mim não poderiam faltar. Eu nunca consegui lembrar nenhum sonho ao acordar, mas tenho a impressão de ter tido lindos sonhos ou terríveis pesadelos, ao longo da minha vida,  todos eles associados ao meu primeiro humor do dia. Se acordo agitado, muito suado ou até com dor de cabeça, é sintoma de que a minha madrugada não foi das mais calmas.

A minha esposa já me acordou várias vezes ao ouvir os meus gritos e reações em geral, durante as noites onde a malvadeza viaja do subconsciente à realidade indiscutível, de quem passou por esses contratempos.

Aquela histórica e milagrosa noite não foi diferente, mas ao parecer eu estava inspirado, fui um tom acima da nota que costumava dar em outras ocasiões e eis ai que aconteceu o milagre.

A Leti estava passando coincidentemente por perto da porta do quarto onde dormíamos, ela foi atraída por alguma curiosidade, eu estava prestes a realizar minha obra e segundo contam, ela acompanhou o meu grito com outro alarido de espanto.

Simplesmente, correu para os braços da mãe e diz: “Mãe, o moço gritou” e estava bem assustada.

Só sei que depois daquele dia, lindas noites de sono e descanso finalizam os dias da Leti e se livrou do trauma.

Hoje já deve ser uma mulher e espero que continue com bons sonos.

Espero também que o desastre ambiental, ainda recente, nas proximidades da região e que tristemente elevou a celebridade da cidade a nível mundial, não tire o brilho, o esplendor, a luz deste cantinho do mundo.



Esta, mais que uma justificativa para um fictício processo de canonização, é uma homenagem e um agradecimento a aquelas pessoas que nos acolheram e que com certeza não viverei o suficiente para professar a minha gratidão, mas se me eternizarem como santo, certamente receberão as minhas mais sinceras bênçãos, todas as manhãs e todas as noites do mundo.