Apresentação.
Esta minha história, ao parecer, começa como um daqueles passatempos, onde é preciso achar os 07 erros para concluir o desafio que lhes proponho: ler, entender e aceitar.
Para facilitar a procura pelo primeiro deles, devo dizer que contarei sobre os derradeiros do filho de um lixeiro, que por acaso sou e não sou eu.
Falarei de mim, mas eu não sou exatamente filho de lixeiro algum. O gari, o trabalhador que operava no carro da recolhida do lixo urbano era meu célebre avô, um grande e forte mancebo negro a quem não tive a sorte de conhecer, mas de quem herdei o nome e quem sabe muitas outras coisas. Não tive ninguém para me contar sobre as semelhanças e diferenças entre nós. Só espero que ele tenha sido mais feliz do que eu fui, tão feliz quanto eu sou.
Ao tempo que sou neto do lixo, também sou sobrinho do lixo, já que dois dos meus tios foram lixeiros. Mesmo tendo desempenhado outras funções anteriormente, ao final das suas vidas vieram se refugiar na riqueza de recolher e limpar as ruas da cidade.
Esta é a minha estirpe. Esta é a minha linhagem. Este é o meu orgulho. O exemplo de um homem que conseguiu educar todos os seus numerosos filhos e criá-los nos princípios do bem.
Num espectro cheio de preconceitos e racismo, todos os seus netos homens fizeram curso superior. Eu sou mais um dentre eles. Todos somos ou engenheiros ou médicos. Será que esta é uma grande conquista? Somos o fruto da abnegação, da dedicação e dos valores da preservação e unidade familiar. Isto sim merece ser exaltado, é um grande feito.
Devo falar em passado, porque praticamente nenhum dos meus primos está mais entre nós, no mundo dos vivos.
A realidade para mim tem 03 estágios, que ficam no mesmo plano. A Verdade, da qual sou bastante adepto, ainda que por vezes não pareça, a Mentira, como o último dos recursos, quando acudo a ela é por falta de opção mesmo e o Ocultar, uma saída por cima de tudo, inteligente e que me proporciona primeiro que tudo, proteção e sobrevivência.
Depois deste preâmbulo, com certeza o que veremos daqui para frente é um compêndio de muita verdade, misturada com alguma que outra mentirinha ocasional, só para temperar e acompanhando, algumas passagens escondidas, ocultas ou simplesmente esboçadas, para poder literalmente continuar vivendo ou poder viver em paz.
Ou seja, uma história, cheia de histórias mal contadas, como acontece na vida real, porque para bem ou para mal, nem tudo pode ser dito e nem sempre podemos contar com a explicação ou a confirmação dos acontecimentos. A dúvida costuma pairar por cima daquilo que não vemos, que não vivemos e para os leitores, sempre existirá um breve espaço para a desconfiança e os devidos questionamentos.
Quantos até hoje não acreditam que o homem nunca pisou na lua, mas nem por isso, deixam de existir datas, imagens e toda uma história relacionada com este fato, ora real, ora tergiversado, ora inventado.
A lista seria interminável, porque poderíamos incluir nela toda a história do mundo. Aquela que não constatamos e até a contemporânea, da qual não participamos de maneira direta, não protagonizamos.
A própria explanação sobre as nossas origens. A humanidade que acredita ter nascido de um Adão, de cuja costela surgiu uma Eva, tanto como daquela parcela que raciocina que veio da evolução das espécies, segundo tentou nos explicar e convencer Darwin, como de outra boa parte que nem se faz estas perguntas.
Falando da Teoria da Evolução, lembro todas as vezes que durante a minha infância e a minha adolescência, tive que ouvir aquela “original piadinha” tão discriminatória quão sem graça: “Se o homem descende do macaco, por que não saem homens dos negros atuais?” Isto era parodiando uma singular propaganda de televisão educativa que passava no meu país e que chamava à reflexão: “Se o homem descende do macaco, por que não saem homens dos macacos atuais?” A minha pergunta é outra: Por que saem tantos monstros dos homens na atualidade?
Só sei que vim do passado.
Só sei que vou para o futuro.
O presente existe porque houve um passado. O futuro não fica tão longe assim. Ele começou agora.
Peço desculpas, mas há histórias que não podem ser contadas. Não esperem por capítulos. Não aguardem por fatos em seqüências. Serão só momentos cronologicamente desordenados, daquilo que eu sei, daquilo que eu vi, daquilo que eu posso contar.