No mundo de hoje, a emigração e, por conseguinte a imigração
deixaram de ser fenômenos, para se tornarem “commodities” do dia a dia e da
realidade de milhões de seres humanos, cada um com suas especificidades,
sucessos, riscos e detalhes comuns e diferentes.
É uma decisão gigantesca, que envolve muitas incertezas, rodeada
de interrogantes.
A mesma pode ser tomada em circunstâncias diferentes.
Posso dizer que fui um afortunado. Não tive que enfrentar as
peripécias de centenas dos meus conterrâneos, que se lançaram a um mar
infestado de tubarões, com ondas significativas, sob um sol escaldante,
famintos, sedentos, achando que aliviariam suas penas no lugar, que desde que
nascem, se lhes inculca que é o pior lugar do mundo, onde vivem os maus.
Também há muitas histórias terrivelmente tristes, cruzando fronteiras, guiados por coiotes, estafadores, atacados por zetas e amparados por muitas e muitas
incertezas. É o momento onde você entende que só pode contar com a fé, a sorte
e os surtos de boa vontade dos homens. Que além do milagre da vida existe o da
sobrevivência. Que pese a que às vezes nos sentimos esquecidos por Ele, há sempre
um Deus velando, zelando ou ao menos torcendo por nós.
A parte que consegue chegar descobre que a realidade sempre
é mais ou menos, do que imaginamos, mas que é lá ou ali no reduto dos maus, onde
a maioria encontra a felicidade ou o que estavam procurando e nem por isso viraram maus,
nem piores, nem indignos.
Outros tiveram que vender, não só seus corpos, senão suas
almas, para tentar uma saída (fugida) menos complicada do país.
Eu não vendi, nem troquei, nem trai nada. Só exerci o meu
direito à liberdade, a minha vontade suprema e soberana de escolher. Eu não
escolhi esperar. Eu escolhi: agir.
Existem relatos mil de manifestações contrárias contra
imigrantes, vistos como usurpadores.
Explicitamente, reitero: explicitamente, durante minha permanência
neste país, só tive no ambiente de trabalho, uma manifestação de xenofobia e a
mesma foi denunciada por mim, para a diretoria da empresa, que ficou do meu
lado e não compactou com a atitude do indivíduo, que albergava uma mistura de
sentimentos ruins e insanos. Confesso que esqueci o nome do sujeito. Só lembro-me
daquela cara gorda e desagradável dele, que parecia que sempre estava chupando
limão e com uma expressão diarreica no rosto. Nunca consegui olhar muito para
ele, mas sei que nunca o vi rir.
Outras manifestações encobertas e disfarçadas existiram, mas
fundamentalmente por outros miseráveis que não se adaptaram ao meu visual não
saxão, a minha ascendência tercermundista, ao meu sotaque não europeu e principalmente,
que não entenderam a minha dignidade, o meu orgulho, os meus valores, os meus
princípios, mas eu as tirei de letra, como administro as que persistem e
as que virão.
Durante muitos anos, as minhas saudades estiveram associadas
à pessoas, à familiares que perdi ou que ainda me esperam, à amigos, à algumas
atividades que preenchiam minha vida, vinculadas com a proximidade do mar, o estádio de beisebol,
uma vida cultural mais diversificada e intensa, o amor pela leitura. Todas elas me
faziam esquecer temporariamente, os motivos que me forçaram a emigrar: a asfixiante situação em que sobrevivia, no meu país de origem.
Retornava de visita, com certa frequência, ao lugar onde
nasci, mas sempre voltava com uma carga de insatisfações e dores ao mesmo tempo, mas com a convicção e o compromisso da missão que me tocou: viver e ajudar a viver
aos meus.
As sequelas do abandono, da renúncia.
Nunca me senti abandonado. Eu não renunciei a nada.
Os meus filhos desde que conheceram o lugar que deu vida aos
seus pais e quando voltam a visita-lo ficam felizes, porque lá eles sentem o
peso e a alegria de terem família aumentada. De saberem que são queridos e bem
recebidos por muitas pessoas, que estão curiosas por se relacionar e sentir que
são próximos, como deveriam ser, se o destino não tivesse traçado outro
derradeiro para eles.
A felicidade, a alegria, o bem estar, as conquistas, não apagam
as nostalgias, que vão se transformando.
Ora não me importava com o lugar como tal, as minhas
saudades tinham uma fonte, essencialmente humana. Hoje almejo poder passear por
aquelas ruas onde o vento batendo no meu rosto me trazia só calmaria e
lembranças da minha infância, de quando era um menino feliz, quando ninguém
estava morto, de quando a possiblidade de emigrar, nem chegava perto dos meus pensamentos. Nunca pensei em emigar, simplesmente emigrei. Não tive que passar por aquele calvário mental, aquela angústia que rodeia aos emigrantes da minha ilha.
Poder ir: posso. Poder fazê-lo: posso, mas a beleza
literária das recordações esbarraria com uma realidade nua e crua e temo
quebrar o idílio da minha imaginação, que às vezes não acordou deste
maravilhoso sonho que é viver, desta inigualável realidade que é a vida.
Independentemente, do que alguns possam pensar e inferir, eu não sofro tanto assim, eu me divirto muito, eu sou feliz, sou muito grato a tudo de bom que aconteceu comigo, ao que aprendi, ao que agreguei e a todos os que tiveram algo para me ensinar inclusive até quando aparentemente, era eu quem estava ensinando-os.
Esses são os ingredientes dessa enorme iguaria, que é a vida e que eu aprendi a saborear: Alegrias e Tristezas.
Que seja do jeito que for, mas é bonita, é bonita e é bonita!