Eu sempre brinco com os meus filhos, dizendo que quando eu morrer, eu gostaria que eles entrassem com um processo de canonização, me intitulando Santo Lino, o Santo protetor dos Pecadores.
Eu mesmo nem sei da onde surgiu essa ideia maluca,
essa intenção brincalhona, essa pretensão tão absurda, mas analisando até no
meu próprio subconsciente, isso eu o faço para que quando chegar o momento da minha
despedida deste mundo, o possam associar com um fato jocoso e ajuda-los a deixar um pouco menos pesada, a tristeza do momento.
Todo processo de canonização, precisa de uma
boa argumentação, de evidências de curas, da associação com fatos, que se não
fosse pela ocasião, seriam considerados inverossímeis, etc., ainda que de por
vida os incrédulos nunca acreditem em tais milagres.
No meu processo estaria faltando este quesito.
Remexendo na memória, lembrei-me de um fato.
E não é gente que eu fiz um milagre?
Vou contar e quero que prestem atenção.
Na década dos anos 1990, eu já estava casado e
morava no Brasil, só que ainda não tínhamos filhos. Certo fim de semana, fomos
convidados por uns bons entranháveis amigos de Itabirito para visitar, conhecer e pernoitar
na cidade de Mariana, uma cidade histórica mineira de importância para o Estado
e para o todo o país, sendo a Primeira vila, cidade, primeira capital, sede do
primeiro bispado e primeira cidade a ser projetada em Minas Gerais.
E foi assim, sim. Fizemos um interessante roteiro
e todos ficamos satisfeitos com a visita.
A cidade também se caracteriza, ao igual que muitas
outras cidades do estado, pela topografia montanhosa, a culinária deliciosa e
uma carga expressiva de religiosidade, que vem desde as antológicas igrejas até
os costumes atuais dos seus moradores, que preservam ou lutam por não deixarem
morrer, tradições interessantes e valiosas.
Na hora de descansarmos, fomos convidados a
ficar na casa de um casal que conhecemos lá e que são amigos do pessoal que nos
convidou ao passeio. Com eles, durante o dia, também compartilhamos e
desfrutamos daquilo com que a cidade presenteia os visitantes e aos seus
próprios filhos.
O casal tinha uma filha pequena, de
aproximadamente 03 ou 04 anos: a Leti como a chamarei carinhosamente, de agora em diante. Na verdade era um amor de pessoinha, uma doçura de anjo, muito ávida, porém tinha
um pequeno distúrbio para o qual já tinha sido tratada, mas os médicos diziam
que subitamente o problema desapareceria.
O transtorno de natureza psíquica consistia em
que a princesinha não dormia, não conseguia conciliar o sono e passava toda a
madrugada tranquila, acordada, brincando, fazendo alguma coisa.
A casa estava
estruturada para oferecer o conforto necessário, para lidarem com esta anomalia
e evitar que a menina se acidentasse no seu périplo costumeiro. Ela ficava na
dela e ninguém se incomodava e ninguém a incomodava.
Naquela noite, como em tantas outras noites
naquele lugar, fez muito frio e ainda que a casa estivesse preparada para tais
condições, o aspirante a santo aqui, estranhou.
Santos também temos problemas e em mim não
poderiam faltar. Eu nunca consegui lembrar nenhum sonho ao acordar, mas tenho a
impressão de ter tido lindos sonhos ou terríveis pesadelos, ao longo da minha vida, todos eles
associados ao meu primeiro humor do dia. Se acordo agitado, muito suado ou até com
dor de cabeça, é sintoma de que a minha madrugada não foi das mais calmas.
A minha esposa já me acordou várias vezes ao
ouvir os meus gritos e reações em geral, durante as noites onde a malvadeza
viaja do subconsciente à realidade indiscutível, de quem passou por esses contratempos.
Aquela histórica e milagrosa noite não foi
diferente, mas ao parecer eu estava inspirado, fui um tom acima da nota que
costumava dar em outras ocasiões e eis ai que aconteceu o milagre.
A Leti estava passando coincidentemente por
perto da porta do quarto onde dormíamos, ela foi atraída por alguma
curiosidade, eu estava prestes a realizar minha obra e segundo contam, ela
acompanhou o meu grito com outro alarido de espanto.
Simplesmente, correu para os braços da mãe e
diz: “Mãe, o moço gritou” e estava bem assustada.
Só sei que depois daquele dia, lindas noites de
sono e descanso finalizam os dias da Leti e se livrou do trauma.
Hoje já deve ser uma mulher e espero que continue
com bons sonos.
Espero também que o desastre ambiental, ainda recente, nas proximidades da região e que tristemente elevou a celebridade da cidade a nível mundial, não tire o brilho, o esplendor, a luz deste cantinho do mundo.
Esta, mais que uma justificativa para um fictício
processo de canonização, é uma homenagem e um agradecimento a aquelas pessoas que
nos acolheram e que com certeza não viverei o suficiente para professar a minha
gratidão, mas se me eternizarem como santo, certamente receberão as minhas mais
sinceras bênçãos, todas as manhãs e todas as noites do mundo.
Boa santo Lino,vc é sensacional,abraço!
ResponderExcluirSanto Lino! Lembrando que os Santos vieram pelos pescadores. Mas brincadeira a parte, o texto simples e impecável.
ResponderExcluirUm texto impecável.
ResponderExcluirLeti sou eu!
ResponderExcluirMinha tia Sônia me contou sobre o conto.
Obrigada pela cura! Hoje durmo bastante!haha