terça-feira, 29 de dezembro de 2015

CUBA

Após quase 08 anos sem retornar ao meu país, onde há 54 anos vi a luz e também a escuridão, onde aprendi a viver (segundo o canta-autor Donato: "Tão mal que, todavia não sei viver" respeitando todo o contexto da música e sem tentar desvirtuar a frase pelo seu carácter isolado), onde adquiri conhecimentos e valores que me acompanharam para toda a vida, assim como uma extensa carga de emoções e sofrimentos, entendo que não vale a pena escrever sobre as minhas impressões sobre o lugar, pois não deixariam de ser só isso, impressões sobre um lugar ambíguo e confuso. 

Um olhar para uma fotografia amarelada pelo tempo, que tenta ser restaurada, mas, ... 

Um cenário sobre o qual só existem opiniões desencontradas, parcializadas, muitas vezes hipócritas e sem sinceridade. Onde a minha seria mais uma, Não teria porque ser a melhor, nem necessariamente a certa, ainda que criteriosa, por ter vivido aquela realidade, mas me reservo esse direito, ao menos hoje.

Como dissera o poeta:
Desde una mesa repleta cualquiera decide aplaudir
la caravana en harapos de todos los pobres.
Desde un mantel importado y un vino añejado 
se lucha muy bien.
Desde una mesa gigante y un auto elegante
se sufre también.”

Em outras palavras: Sentado ao redor de uma mesa bem farta, qualquer um decide aplaudir uma caravana esfarrapada de pobres. Desde uma mesa com uma toalha importada e bons vinhos, há quem consegue lutar também. Mesmo contando com uma mesa gigante e um carro elegante, também se sofre.

O que importa é que os meus objetivos se cumpriram, que encontrei bem a família, amigos e vizinhos, que consegui andar novamente sobre a minha história e que pese a todas as adversidades fui MUITO FELIZ, muito bem recebido, muito amado.

Uma coisa ficou clara: não precisei me questionar o sentimento de se eu pertenço ou não a aquele lugar.

Foram ótimos dias e não devo demorar tanto em voltar. Assim eu o senti. Assim o pediram para mim, com os olhos marejados, as pessoas que me amam. Com isso bastou e sobrou!

Só desejo uma longa, uma melhor e mais digna vida para todos.

 Na Praça da Revolução. No fundo o Monumento a José Marti.

Na Praça da Revolução. No fundo a imagem do heroi nacional Camilo Cienfuegos.

Nas escadas da Universidade de Havana. Ao fundo a estátua da Alma Mater.

 Uma vista da Rua San Lázaro no dia da comemoração do Santo Milagroso, no 17 de dezembro de 2015

No Cemitério da Havana. No fundo a Capela Principal, (esclarecendo, é o prédio em amarelo e branco. Os intrusos são inevitáveis em lugares públicos. Ainda que este seja um lugar habitado por mortos, o que está se aproximando por trás de mim não é um fantasma)

 Entrada Principal do Cemitério da Havana

Na frente da entrada do Hotel Riviera em Havana. O calor da cidade em pleno inverno de 31ºC, não permite dispensar a solidária garrafinha de água, que aparece na foto por direito próprio. Bem que o pessoal do Caribe costuma dizer que só existem duas estações: Inverno e Inferno.


Na frente dos Coco-Táxis. Vista parcial de la Bibliteca Nacional à esquerda


Vista do Teatro Garcia Lorca


Numa Praça restaurada da Havana Velha


Ao fundo o famoso e tradicional restaurante El Patio


Na Praça da Catedral de La Habana.

Ciranda da Bailarina

Poderiam até parecer recorrentes as minhas postagens sobre as dificuldades e confusões de compreensão da língua, típicas de um gringo ao chegar e tentar se inserir numa outra cultura, mas é a minha realidade e não farei o menor esforço por me afastar deste tipo de crónicas, sem descuidar outros assuntos do meu interesse.

Tudo se remonta aos começos, aos inícios da minha vida neste país.

Uma excelente e por sinal bela colega de trabalho, me auxiliou muito nos primeiros tempos. Sem ela perceber, me apresentou o país, a idiossincrasia das pessoas e as formas precisas de me conduzir neste novo ambiente. Era uma colaboração muito boa, onde o trabalho de um era complementado pelo do outro e que pese aos conhecimentos que eu poderia lhe passar, aprendi muito com ela e o sucesso do meu trabalho dependia dos esforços e dos resultados do trabalho dela.

Ela casou com o homem da sua vida, saído diretamente do clássico de Alexandre Dumas. Fui ao seu casamento, que esteve muito bom por sinal e ainda que nos distanciamos pela minha transferência para outra empresa, sempre tive notícias. Hoje sei que está fora do ramo se dedicando a outras atividades que sempre desejou, que tem uma linda família com dois filhos e inevitavelmente lembrou-me dos difíceis momentos quando perdeu a primeira filha logo depois do nascimento quebrando tantas expectativas. Fiquei muito triste. Ela estava arrasada, mas logo, Deus deu a dádiva que ela precisava.

Dentre outas características, ela era muito educada, longe de vulgaridades.

Eu sempre fui admirador da extensa obra de Chico Buarque, da genialidade das composições e da singularidade da interpretação. Ainda que outros excepcionais cantores se apropriem de suas músicas e letras, quando cantadas por ele, têm um sabor especial.

Tive até a oportunidade de presenciar dois shows dele no meu país antes da minha vinda para o Brasil e conhecia bastante das suas canções.

Devo esclarecer que admirar a obra de alguém, não é equivalente a admirar esse alguém.

Um grande amigo, o J, quem não vejo há algum tempo e temo que alguma coisa não muito boa tenha acontecido com ele para sumir desse jeito, me presenteou com um disco da autoria do Edu Lobo com a participação do Chico, que eu desconhecia: O Grande Circo Místico.

Bastaram poucos acordes para gostar do que estava ouvindo. Como não delirar perante músicas como “Beatriz”, “A História de Lily Braun”? Mas, uma das músicas chamou de maneira singular a minha atenção: Ciranda da Bailarina. Uma vez mais a engenhosidade do compositor aflorou, ao se pôr no lugar daquilo que não é: uma criança, no seu mundo de ingenuidades, no seu universo de dúvidas e imaginações.

Ela sempre me informava gentilmente, explicando o significado das palavras que desconhecia. A canção da Ciranda da Bailarina tem muitas palavras difíceis para quem não conhece bem a língua e está acostumado com termos convencionais e do dia a dia, tais como: pereba, frieira, bexiga, piriri, lombriga, futucando, zarolho, remela, bigode de groselha, etc., que pelo contexto em ocasiões dá para acertar.

Outra das palavras que aparece na letra da música é: pentelho e lá fui eu perguntar para ela o significado. Ela começou ficar vermelha que nem o padre da canção e um cara bem sacana que estava por perto, o grande amigo V, falou para ela: “agora sim que ficou difícil” e começou dar gargalhadas, ao tempo que ela ficava quase roxa da vergonha.

Ele resolveu o impasse, dizendo que era o mesmo que pêlos púbicos, também fez alguns gestos e para variar me propôs mostrar e presentear com alguns caso eu estivesse interessado. Por suposto que isso não aconteceu.

Mas a história não termina ai. Assim que a minha dúvida ficou aparentemente esclarecida, eu tive a infeliz ideia de perguntar se recebiam o mesmo nome estando perto da genitália masculina ou da feminina. Ai ela não aguentou e começou rir também. Todos riram.

Hoje não preciso mais de esclarecimentos. O pentelho virou objeto raro, ou tiram ou retiram o excesso. Com a evolução da espécie deve sumir. Se foram criados para proteger alguma coisa, hoje, as roupas fazem essa função e se foram criados para esconder alguma coisa, a pornografia e a febre de exibicionismo virtual e real, vão na contramão. O importante é que se veja tudo e os pentelhos, só atrapalham.

Lembrar vocês, minha amiga C, o meu amigo V e o meu amigo J, me faz muito bem. Viajo no tempo. Nos bons tempos.

CANIBALISMO!

Depois de tantos anos morando no Brasil, com a certeza de que entendo praticamente tudo o que me falam e com a convicção de que não se entende quase nada do que digo, ainda acontecem situações inusitadas, por desconhecimento não tanto da palavra, como do contexto, da situação e o uso dado à mesma.

Voltando ao assunto da fala e não da comunicação e honrando o título deste, o meu espaço de desabafo, já ouvi até comentários atrozes, mal intencionados, ao respeito, mas isso e nada para mim são a mesma coisa. Certo é que devo tomar mais cuidados, me dedicar mais. 

Como em todo nesta vida há verdades, subjetividade, relatividade e até alguma que outra miséria humana, às vezes oculta. Ainda que não seja o mesmo, é quase igual, ou seja, dá na mesma e a vida continua. Estou “assim” de preocupado com isso. Mas eu reconheço as minhas insuficiências, das dificuldades da compreensão, mais do que as minhas habilidades em outras esferas e até no campo da comunicação.

Retomando o tema principal. Por questões de trabalho, proximamente devo me deslocar para uma região remota do país, onde está em andamento uma das poucas obras de grande porte que sobreviveu a esta crise, que já entrará no ano de 2016 e ninguém sabe até quando durará.

No fundo, não estou muito curioso por saber sobre as condições do lugar, nem mesmo sobre as regulamentações da viagem, moradia, retornos à cidade onde resido, opções de lazer, etc., porque não tenho escolha. Não há empregos e temos que aceitar o que vier. Faz parte.

Mas às vezes, os que já visitaram o lugar ou estão trabalhando por lá, fazem alguns comentários que desanimam qualquer um.

Dias atrás, estávamos conversando um grupo de colegas e as notícias sobre as características do "lugar", não poderiam fugir. O amigo D, que já é veterano de muitas pré-operações e comissionamentos, que tem bagagem e experiência suficientes como para estabelecer comparativos, já adiantou alguns detalhes preocupantes sobre o nosso próximo destino.

Por outro lado, o seu jeito otimista e simples de ser, de encarar as coisas com leveza, ajudam a diminuir os efeitos negativos. Ao mesmo tempo, ele sempre fala sobre outros aspectos menos negativos que permitem levar a vida de uma maneira menos pesada, incorporando uma pitadinha de safadeza no cardápio diário, o que é característico nele.

Dentre as questões que falou, fez referência ao fato de já terem começado as primeiras manifestações de canibalismo, segundo as suas próprias palavras.

No início, não dei muita importância, achando que seria mais uma das brincadeiras dele para assustar a gente, mas continuou falando do tema com seriedade e aos poucos comecei ficar preocupado.

Pensei: “não basta estar longe, num lugar inóspito, por cima topar com animais peçonhentos e perigosos, senão que também estarei exposto à “seres humanos” selvagens que podem me preparar uma cilada, pegar um objeto contundente, me esquartejar e colocar num tabuleiro”.

Continuei ouvindo com certo pavor dissimulado, quando ele começou rir e esclareceu após eu perguntar sobre o assunto: Canibalismo, na gíria, é macho que come macho, homem que gosta de homem, e já houve alguns casos entre o pessoal das empreiteiras, que foram pegos in fragrante.

Ai eu respirei fundo e fiquei calmo. Nenhumas das duas modalidades de canibalismo me preocupariam então.

Lá, a civilização chegou e não seria caçado como uma presa como parte da cadeia alimentícia.

Lá, tanto como aqui e em qualquer outro lugar, não corro o risco de me envolver nessa outra forma de canibalismo. Isso é para quem gosta e topa.

Abração amigo D, a gente se encontra por lá!