Hoje acordei lembrando uma frase, que frequentemente pronunciava uma ex-funcionária da última empresa, em que trabalhei no Brasil.
Toda vez que ela ia embora mais cedo do que eu, olhava para ela com cara de surpresa, como questionando, em tom de brincadeira porque eu não tinha autoridade para isso e também no fundo não me interessava se alguém se retirava do serviço antes ou depois, ou se aparecia ou não, o fato de ela sair antes de mim. Ela simplesmente me olhava, sorria e dizia: “passarinho que acorda cedo...” e nada mais.
Durante um tempo mantivemos esse joguinho, até que eu perguntei o quê significava essa frase?
Ela sorriu novamente, pois nem imaginava que eu desconhecesse o ditado e completou o mesmo, alegando que era um refrão bem velho e popular: “Passarinho que acorda cedo bebe água limpa”. Foi embora e eu fiquei uma vez mais a ver navios. Na hora não entendi o que isso significava.
Tempos depois analisando percebi que era uma analogia, como geralmente são todos os ditados que brincam com o sentido figurado. Em outras palavras seria alguma coisa assim como: quem chega mais cedo, tem mais oportunidades, mais vantagens.
Na empresa, alguns colaboradores, por regulamento tinham uma quantidade de horas a cumprir. O pessoal que batia cartão, que era o caso dela e não o meu, não estava autorizado a ficar mais tempo do estipulado, porque as leis trabalhistas obrigavam ao empregador a pagar horas extras e por essa razão, assim que dava o tempo de permanência, iam embora.
Mas, quais seriam essas vantagens relativas, para “se dar melhor”, com relação a quem entrava no escritório mais tarde?
Eram várias. Algumas delas bem evidentes, outras as descubri com o passar dos dias.
Quem chegava mais cedo, não precisava pagar estacionamento privado, que por sinal não era nada barato e com sorte conseguiria uma vaga livre, de graça e bem próxima à entrada do prédio onde radicava a nossa firma.
Teria também a possibilidade de deixar o carro num lugar mais visível, próximo do segurança do edifício, com maior circulação de pessoas, incluindo policiais da unidade que ficava naquela área e a probabilidade de ser furtado o veículo diminuiria.
Para comparecer antes ao serviço, a pessoa teria que acordar bem mais cedo que o normal, mas nesse caso enfrentaria um trânsito mais benévolo, questão muito desejada, porque as vias de circulação na cidade, tiravam qualquer um do sério.
Os congestionamentos teriam lugar em horários mais tardios, que era quando a maioria das pessoas saiam das suas casas, para começar suas atividades diárias.
Chegar antes dava a possibilidade também de sair mais cedo. Teria mais tempo de luz do dia e hábil, para atender outras necessidades, considerando os horários das instituições.
E não é só isso. Na parte da tarde, a gente conseguiria fugir dos horários mais críticos, para andar de carro na cidade e chegaria com melhores condições aos lugares desejados.
As vantagens numeradas, são de carácter explícito. Mas existiam outras não tão fáceis de ver, que descubrí posteriormente, e que agora que saí da empresa e que a mesma infelizmente acabou, fechou as portas como tantas outras no país, posso desvendar.
Na nossa empresa tinha um sistema de abastecimento de frutas frescas e de muito boa qualidade. As mesmas chegavam geralmente, bem cedo na manhã. Sendo assim poderia seleccionar as melhores e até esbanjar um pouco na quantidade a ingerir, à semelhança do que outros também faziam.
As pessoas que chegavam cedo, dada a pouca quantidade de funcionários presentes e que geralmente a diretoria e gerentes demoravam em chegar, podiam desfrutar do ditado: “quando o gato não está, os ratos fazem a festa”.
Sendo assim, nesse tempo dava para ter aquele café da manhã que não conseguiria ter em casa tão cedo, porque me roubaria espaço para sair o mais cedo possível, poderia colocar as conversas em dia e até “internetear” um pouco, sem ser incomodado ou notado por quem se preocupava e vigiava, para que certas coisas não aconteceram, ainda que sem fundamento em muitas ocasiões.
Algumas coisas não fazem e provocam tanto mal, quanto aparentam, mas sempre há pareceres diferentes, ideias encontradas e desencontradas.
Era também o momento bom para “destruir” o banheiro com tranquilidade, já que não tinha chegado quase ninguém.
Estes minutos e até quase horas de maior calmaria no ambiente empresarial também eram usados para adiantar e até para fechar alguma pendência do dia anterior do serviço, que com a cabeça mais fresca, permitiria obter melhores resultados e até mais rápido.
Mas hoje lembrei do ditado porque para mim ao acordar, está tendo outra conotação.
“Passarinho que acorda cedo fica cansado, com sono e com preguiça o dia todo".
Será que estou ficando velho?